quarta-feira, 8 de junho de 2016

DIA MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE

Os gemidos da Mãe Terra
 Nesta Semana do Meio Ambiente nos deparamos com um país esquisito, à deriva. A crise hegemônica se agrava na  antevéspera do julgamento do impeachment da presidenta Dilma Rousseff e as forças da natureza seguem seu curso,  ainda como se houvesse o amanhã. 

Ah, se pudéssemos ouvir com mais atenção aos gemidos da Mãe Terra! Mas o que se vê no confronto de um governo ilegítimo é a ascensão de pessoas desqualificadas em postos chaves e a postulação cada vez mais desavergonhada do criacionismo, afrontando a laicidade do estado brasileiro. Na FUNAI, por exemplo, que trata da política indigenista, se ensaia a indicação de um pastor – Everaldo Pereira, presidente do partido religioso PSC e aliado de Aécio na campanha de 2014. No comando da FUNAI, mas como assim? Entregar a política indigenista a um político profissional sem qualquer identidade ou formação para titular de um órgão tão essencial quanto cambaleante? Será para patrocinar missões religiosas nas terras indígenas? 
A bancada evangélica colada com os ruralistas e representantes de forças policiais já está de olho para repautar a PEC 215 – aquela que pretende deslocar do Executivo para o Legislativo a demarcação de terras das populações tradicionais – uma ameaça não só às identidades coletivas, mas ao meio ambiente e à biodiversidade contida nos grandes biomas nacionais, além de promover a exploração predatória dos recursos minerais. Quanto retrocesso! O movimento indígena já se articula para pressionar o governo interino, tal qual fez a ‘tribo’ dos agentes da cultura em defesa de seu ministério.
O contencioso socioambiental é gigantesco e, a bem da verdade, as contradições já vinham acirradas durante as gestões de Lula e Dilma que, ao lado das inegáveis políticas de inclusão social, nunca se apartou do modelo produtivista subjugado às commodities agrícolas e minerais, atrofiando o potencial industrial antes contido nas pautas de exportação. 
Um contencioso que se manifesta, ainda, nas hesitações do último ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ou na pressão sofrida pelos órgãos como o IBAMA para simplificação dos licenciamentos ambientais em favor dos grandes projetos de infraestrutura e empreendimentos privados. Cardoso segurou até onde pode um punhado de portarias declaratórias sobre terras indígenas, algumas delas felizmente agilizadas pelo novo ministro, Eugênio Aragão, nas semanas finais que antecederam o afastamento da presidenta eleita.
Não por acaso, surge um novo movimento social, o Movimento Nacional pela Soberania Popular frente à Mineração, conhecido pela sigla MAM (atingidos pela mineração). A articulação vem se estruturando nos últimos anos, mas ganhou força e expressão, depois do estouro de uma barragem de rejeitos que soterrou o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, Minas Gerais, espraiando seu rastro destruidor por todo o Vale do Rio Doce e mar afora. Nem o maior acidente ambiental da história, nem a momentânea crise entre as commodities minerais, dada à retração da economia mundial, foram suficientes até aqui para alterar o novo Código da Mineração, que a tornasse mais rigorosa. Nem a grande mídia faz questão de inscrever esta tragédia na lógica da extração voraz de minérios no Brasil, pressionada especialmente pelas encomendas chinesas e grande multinacionais do setor. 
Interessante a visão dos dirigentes do novo movimento: “A gente não é contra a mineração em si, mas é que o marco está muito voltado para o lado empresarial e a questão das comunidades atingidas é quase como um dano colateral inevitável. A gente está contestando essa inevitabilidade, não queremos voltar à idade da pedra”, disse Maria Júlia Andrade, do MAM. Passados tantos meses, nada há a comemorar sobre o acidente de Mariana. Permanecem subestimados os impactos sociais sobre os direitos de populações ribeirinhas, dos pequenos agricultores, artesãos, extrativistas, sobre o patrimônio cultural como bem público e imaterial cravada na alma de cada comunidade. Fato alentador é que foi criado um Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente a Mineração, que reúne cerca de 50 entidades, como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Uma comunhão na adversidade.

Lamentavelmente, neste caos institucional, também pouca coisa se pode esperar em relação à campanha pelo desmatamento zero, por mais que as mudanças climáticas e seus fenômenos extremos continuem a emitir seus sinais. Plantations are not Forests – diz a estampa da camisa engajada denunciando as monoculturas de árvores de pinus e eucaliptos – um embate contra o embuste dos monocultivos que tomam conta de paisagens inteiras avançando sobre áreas de domínio dos diferentes biomas brasileiros.
Num outro front, por ocasião desta Semana do Meio Ambiente, convêm lembrar como andará o ‘estado da arte’ do saneamento básico, particularmente nos centros urbanos, onde se concentra 85 a 90% da população brasileira. Poucas campanhas incomodam tanto os ambientalistas e sanitaristas como as formuladas pelo governo federal, ainda sob o comando de presidenta Dilma – que tem como foco o combate aos mosquitos causadores de um conjunto de assustadoras epidemias. Mas, no interregno do impeachment, nem esta campanha poderá ser devidamente avaliada com os desmontes institucionais em curso, a exemplo das ameaças sobre o SUS. 
Neste sentido, vale destacar a lucidez da Campanha da Fraternidade deste ano, em defesa do saneamento básico – Casa Comum, Nossa Responsabilidade, inspirada pelo lema “Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca” (Amós, 24), campanha que este ano ganha dimensão ecumênica. Lá o combate ao mosquito aparece, mas não dissociado do enfrentamento das causas da pandemia e que como sempre afeta as populações mais vulneráveis que moram em condições insalubres ou áreas de risco. A campanha alerta tanto para a dimensão ampla do saneamento básico - água potável de qualidade, o correto esgotamento sanitário, o tratamento adequado de escoamento das águas pluviais e um sistema de tratamento dos resíduos sólidos – como a responsabilidade pública por sua gestão, em função dos discursos e riscos privatizantes deste bem comum. A campanha lembra que em relação ao esgotamento sanitário, 1/3 do país não tem serviço adequado, índice que chega quase à metade em estados nordestinos, como a Bahia. 
Ao tocar em alguns pontos do grave contencioso ambiental que nos desafia, vale lembrar a reflexão de fundo trazida pelo cientista Luis Marques da UNICAMP que acaba de lançar um livro revelador – Capitalismo e Colapso Ambiental, com base em 10 anos de pesquisa referenciados em indicadores econômicos e ambientais. Ele destaca o impasse vivido pela humanidade que insiste em produzir mais e mais energia, e ainda com forte domínio da matriz dos combustíveis fósseis – carvão e petróleo. E Isso, conclui, decorre da natureza expansiva do capitalismo. Lembra que de nada adiantou o Clube de Roma, ainda nos anos 60, pregar crescimento zero em meio a flagrante desigualdade, desconsiderando os modos de vida e necessidades básicas dos milhões de deserdados que mitigam direitos mundo afora, já que as injunções de poder das nações, estão subordinadas aos ditames das grandes corporações. Embora estas constatações não sejam tão inovadoras, Luis Marques, nos fala da natureza iniludível da expansão capitalista e que esta segue em rota de colisão com os limites da biosfera. No essencial, acompanha a mesma linha da encíclica papal Laudate Si, do Papa Francisco que nos fala das raízes éticas e espirituais dos problemas ambientais, e de uma crescente dívida ecológica do Norte com os países do Sul. Nos fala do destino da humanidade e da falta de amparo de uma nova multidão de deserdados – os refugiados ambientais, digamos uma variante de racismo ambiental.
Tais são alguns dos muitos desafios que percebemos pela voz das comunidades e movimentos sociais por uma ecologia popular, que terão de ser trabalhados nos marcos da luta pela democracia e o Estado de Direito no Brasil. E do compromisso ecumênico da CESE com a Justiça, a Paz e a Integridade da Criação.

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